sexta-feira, 25 de março de 2016

Profissões para Mulheres em tempos limitantes


O museu Júlio de Castilhos de Porto Alegre, RS, está com uma exposição sobre Virgínia Woolf baseada no livro Profissões para Mulheres e outros artigos feministas. A exposição mostra trechos do livro de Virgínia e algumas exposições comparando roupas de damas da sociedade com as das operárias, algumas máquinas de costura e chapéus costurados pelas profissionais.


Os trechos expostos do livro despertou minha curiosidade sobre como eram limitadas as opções de trabalho para as mulheres na época de Virgínia, no início do século 20: ou eram costureiras ou governantas. Para algumas mulheres, a escolha era feliz, mas para as que desejavam algo a mais não tinham outras opções, apenas aspirações. 
O livro é composto de vários textos escritos por Virgínia: discursos e resenhas sobre livros escritos por homens a respeito de mulheres publicados em jornais, sempre colocando a mulher como inferior no intelecto ao homem. Há até uma carta de Virgínia discordando da obra com direito a debate com o autor do livro. 
Interessante um trecho de Virgínia falando sobre o fantasma do anjo que a perseguia, o anjo da mulher que só cuidava da casa e da família e deixava de lado os próprios desejos, ela abdicava do melhor lugar na mesa, da fatia melhor da torta doce, do desejo de ficar quieta. Quando queria fazer algo que gostava, lá estava o "anjo", sombreando os seus desejos com suas asas. 

As dificuldades da vida de operárias comparadas com a das damas da sociedade, que também não tinham escolhas, e a vivência, tão diferente, de cada uma. Acostumadas a não terem escolhas, as operárias desejavam uma banheira ou um jogo de panelas novos de tempos em tempos ao invés de políticas públicas que a facilitassem a conseguir realizar o que queriam. Era um sonho tão distante, que nem a imaginação permitia sonhar. Sonhos pequenos, quando poderiam mais, criticados por Virgínia. 

Profissões para Mulheres é um ótimo livro para quem quer saber mais sobre a história da luta feminista, os desejos e aspirações e como viviam as mulheres do inicio do século passado. Com linguagem acessível e realista, é daqueles livros de leitura rápida e sem aqueles "calombos", que impedem a gente de seguir adiante na leitura.

domingo, 6 de março de 2016

Orlando e a Dualidade dos Sexos

Vita Sackville-West e Virgínia Woolf
Orlando, obra semi-biográfica de Virgínia Woolf, é baseada na vida da amiga romancista, poetisa  e paisagista Vita Sackville West, com quem teve um affair. Elas faziam parte do Grupo de Bloomsbury, que reunia artistas e intelectuais britânicos.Vita era bissexual e viveu intensas paixões, a mais profunda foi pelo marido, Harold Nicolson. Numa época em que os direitos das mulheres eram rigidamente cerceados, um dos  lamentos de Vita era não poder herdar a mansão que nasceu.

No livro, publicado em 1928, Orlando é um jovem romântico e sonhador bem sucedido, amigo da Rainha Elizabeth I, que sobrevive por vários séculos: 350 anos. Se apaixona pela russa Sasha, um amor impossível. A desilusão o faz dormir por vários dias sem intervalos e, quando acorda, está inteiro. A desilusão com um ídolo poeta que debochou da sua poesia o faz dormir novamente e, quando acorda, Orlando é uma mulher. Dormir, aliás, não deixa de ser uma autodefesa, pois não há sofrimento quando dorme.

A transformação do corpo de Orlando em mulher é vista de forma natural. A dualidade do sexo o faz comparar como  é ser homem e ser mulher. Ao vivenciar outro sexo, acha admirável e, inclusive, prefere o feminino ao masculino, contudo percebe as dificuldades e exigências. Estar sempre bela era cansativo (levava mais de uma hora para arrumar o cabelo), as roupas fartas e desconfortáveis da época (ano de 1700) dificultavam até o salvamento caso fosse lançada ao mar em um naufrágio, a faziam dependente de alguém para sobreviver, pelo desconforto e peso da roupa. Ao chegar na mansão, descobriu não poder mais possuir os próprios bens, tomados pelo governo, visto que as mulheres não tinham direito à propriedade. Orlando é considerado um dos livros mais feministas de Virgínia Woolf, ao criticar, de forma um tanto irônica, o desconforto dos direitos limitados das mulheres.

A convivência na alta sociedade e admiração por alguns intelectuais também passou pela análise da personagem que, ao conhecer de perto os seres admirados, constatou serem enfadonhos. Pessoas com pensamentos mais simples eram mais agradáveis. Orlando é daqueles livros que destacamos diversos trechos por nos espelharmos em alguma passagem ou por nos fazer refletir. Não é uma leitura fácil, exige atenção do leitor pela história surrealista do personagem homem-mulher que teve a oportunidade de vivenciar os dois gêneros e viveu por séculos. Mesmo com as diferenças, a história mostra que, como homem ou como mulher, a essência de Orlando continuou a mesma.

Orlando foi adaptado para o cinema e passou por releituras com as obras Freak Orlando, de 1981, e Orlando, a mulher imortal, em 1992. Este último, estrelado por Tilda Swinton como Orlando, foi indicado ao Oscar de melhor figurino e ao de melhor direção de arte.

Tilda Swinton, no filme Orlando, a mulher imortal

domingo, 14 de fevereiro de 2016

O Idealismo e a Revolução dos Bichos


"Quatro pernas bom, duas pernas ruim" foi a máxima que resumiu os mandamentos que provocaram a inquietação na população de animais da Granja do Solar e deu início à revolução. Sentindo-se explorados, sem o retorno justo do que produziam, os animais da granja se rebelaram, para terror do Sr. Jones, dono da fazenda. Reconhecer que "todos os animais são iguais" e colocar em prática o que é pregado é o ideal para uma sociedade viver dignamente. Bola de Neve e Napoleão, os porcos, animais pensantes e mais inteligentes da granja, tomaram a liderança e revolucionaram.
                                                  
A Revolução dos Bichos (Animal Farm), fábula escrita por George Orwell em 1943, foi recusada por quatro editores. "Seria menos ofensivo se a casta predominante na fábula não fosse a de porcos", esclareceu um dos editores que desistiu da publicação ao consultar o Ministério da Informação. O livro é uma sátira ao regime totalitário do governo de Stálin, e só conseguiu ser publicado dois anos depois. Orwell representou os líderes do regime, Stálin e Trótsky, através dos porcos Bola de Neve e Napoleão.


A crítica à ditadura independe de ideologias, pois é sempre igual nos regimes em que a liberdade de opiniões é cerceada. A sátira do livro foi mal utilizada ao ser usada como meio de combater o Comunismo, o que constrangeu o autor, um entusiasmado socialista democrata. Sua crítica era ao totalitarismo: "Existe hoje uma difundida tendência a argumentar que a democracia só pode ser defendida por métodos totalitários. Se a pessoa tem apego pela democracia, diz o argumento, precisa esmagar seus inimigos lançando mão de qualquer meio. E quem são seus inimigos? Sempre se diz que não são só os que atacam aberta e conscientemente, mas os que 'objetivamente' a põem em risco através da difusão de doutrinas equivocadas. Noutras palavras, a defesa da democracia envolve a destruição de qualquer independência de pensamento', desabafa Orwell no prefácio da primeira edição livro.

Os animais expulsaram os humanos da granja e um novo regime foi implantado. Nele todos os animais eram iguais e teriam os mesmos direitos e privilégios. O que não agradou alguns, principalmente a égua Mimosa, super vaidosa. "Ainda vou poder usar laço de fita na crina?", perguntou a Bola de Neve, um dos líderes. "Camarada, essas fitas que você tanto estima são o distintivo da servidão. Não vê que a liberdade vale mais que laços de fita?", ele respondeu, não convencendo muito Mimosa, que adorava os produtos gerados pelo Capitalismo. A medida que o gosto pelo poder foi surgindo, os ideais foram se modificando até que porcos se confundiram com os humanos: "Quatro pernas bom, duas pernas melhor!". Por maior virtude que tenha uma causa, ela não sobrevive se os líderes se deixam deslumbrar pelo poder.

Uma leitura divertida e válida, pois instiga à reflexão. A Revolução dos Bichos é considerada um dos cem melhores romances da literatura inglesa. Para quem já leu ou quiser saber mais sobre a obra antes de lê-la, há o filme A Revolução dos Bichos, versão dublada, 1999, disponibilizado no YouTube.


sábado, 13 de fevereiro de 2016

Frida Kahlo, o Livro



O Pequeno Cervo (ou O Veado Ferido), pintura de 1946. Época da cirurgia na coluna  mais sofrida que Frida passou. A obra mostra uma Frida resignada ao sofrimento. Apunhalada pelas flechas, luta pela sobrevivência, presa no corredor de árvores.
Há algumas semanas terminei de ler a biografia de Frida Kahlo, que inspirou o filme e levou Salma Hayek a concorrer ao Oscar de Melhor Atriz. O livro é o Frida: a Biografia, de Hayden Herrera. Gosto muito de biografias e admiro Frida Kahlo, artista que se destacou e imortalizou seus sentimentos e momentos através de suas pinturas. Apaixonada, e por isso intensa, alcoolista, ativista política (era comunista), dramática, entregava-se sem medo e fazia questão de mostrar como se sentia.
Após a operação na coluna, em 1946.

Era uma mulher forte. O acidente que sofreu com o bonde moeu seu corpo e, talvez por isso, ela se adaptou ao sofrimento. "Frida teve a coluna quebrada em três lugares na região lombar. Quebrou a clavícula, fraturou a terceira e quarta vértebras, teve onze fraturas no pé direito (o atrofiado), que foi esmagado; sofreu luxação no cotovelo esquerdo; a pélvis se quebrou em três lugares. A barra de aço tinha literalmente entrado pelo quadril esquerdo e saído pela vagina, rasgando o lábio esquerdo", assim é descrito o acidente na página 70.



Diego e Frida Kahlo Rivera.
Na sua curta existência, morreu em 1954 aos 47 anos de idade, chorou mais que riu e não somente pelas dores físicas. Viveu para Rivera, por quem nutria uma paixão doentia. Como o álcool, Diego era um vício, daqueles que, mesmo destruindo-a, era desesperadamente necessário. Frida sentia uma necessidade emocional. Seu médico e melhor amigo, Dr. Eloesser, confessou uma vez que as várias cirurgias pelo qual Frida tinha se submetido eram desnecessárias, entretanto era a forma que ela encontrou de manter Diego por perto (página 420). Uma vez Frida indagou Diego sobre por qual motivo ela vivia e ele respondeu: "Pra que eu viva!" (página 459). Do jeito dele, um tanto sádico, Diego amou Frida. "Quando eu amava uma mulher, quanto mais eu a amava, mais queria machucá-la. Frida era apenas a vítima mais óbvia desse meu traço de personalidade", disse ele em sua autobiografia (página 225). Curiosamente, em 1952, Diego descobriu que estava com câncer no pênis. Quase amputaram-lhe o membro e, como era de se esperar, ele preferiu uma terapia alternativa (página 486).

Umas Facadinhas de Nada, 1935.
A obra mais irônica e expressiva de Frida, na minha opinião, é a "Umas Facadinhas de Nada". Frida a pintou no período em que Rivera iniciou um romance com Cristina, irmã mais nova de Frida. Para Rivera, Cristina era uma mulher como qualquer outra com que transou e não via motivos para Frida ficar tão magoada. Ele não se apegava e nem se dava conta do quão cruel as atitudes dele eram. Magoada com o marido e a irmã, Kahlo pintou uma obra trágica (quem penduraria um quadro assim na parede?), inspirou-se na notícia do jornal da cidade, no qual informava que uma mulher foi morta pelo namorado com 20 facadas. O assassino, bêbado, ao ser indagado sobre o acontecimento, disse, sem entender o porquê da polêmica, que eram só umas facadinhas de nada. Frida não morreu em nenhum dos vários finais de relacionamento que teve com Diego, porém a dor que sentia era a de morte, a morte de um amor.

Diego e Frida
Frida com Trotsky.

Contudo, a dependência por Diego não a impediu de viver vários romances apaixonados. Dentre os amantes estava o comunista Trótsky (mulherengo, tentou seduzir também Cristina, irmã de Frida, para terror da pobre Natália, sua esposa) e o fotógrafo Nickolas Muray. Frida teve uma vida curta, porém bem vivida, sofrida, com histórias para contar e interessantes de ler, mas que fez com que ela desejasse não mais voltar.

"Nada permanece, tudo é revolucionário."
                   (Frida Kahlo)