domingo, 14 de fevereiro de 2016

O Idealismo e a Revolução dos Bichos


"Quatro pernas bom, duas pernas ruim" foi a máxima que resumiu os mandamentos que provocaram a inquietação na população de animais da Granja do Solar e deu início à revolução. Sentindo-se explorados, sem o retorno justo do que produziam, os animais da granja se rebelaram, para terror do Sr. Jones, dono da fazenda. Reconhecer que "todos os animais são iguais" e colocar em prática o que é pregado é o ideal para uma sociedade viver dignamente. Bola de Neve e Napoleão, os porcos, animais pensantes e mais inteligentes da granja, tomaram a liderança e revolucionaram.
                                                  
A Revolução dos Bichos (Animal Farm), fábula escrita por George Orwell em 1943, foi recusada por quatro editores. "Seria menos ofensivo se a casta predominante na fábula não fosse a de porcos", esclareceu um dos editores que desistiu da publicação ao consultar o Ministério da Informação. O livro é uma sátira ao regime totalitário do governo de Stálin, e só conseguiu ser publicado dois anos depois. Orwell representou os líderes do regime, Stálin e Trótsky, através dos porcos Bola de Neve e Napoleão.


A crítica à ditadura independe de ideologias, pois é sempre igual nos regimes em que a liberdade de opiniões é cerceada. A sátira do livro foi mal utilizada ao ser usada como meio de combater o Comunismo, o que constrangeu o autor, um entusiasmado socialista democrata. Sua crítica era ao totalitarismo: "Existe hoje uma difundida tendência a argumentar que a democracia só pode ser defendida por métodos totalitários. Se a pessoa tem apego pela democracia, diz o argumento, precisa esmagar seus inimigos lançando mão de qualquer meio. E quem são seus inimigos? Sempre se diz que não são só os que atacam aberta e conscientemente, mas os que 'objetivamente' a põem em risco através da difusão de doutrinas equivocadas. Noutras palavras, a defesa da democracia envolve a destruição de qualquer independência de pensamento', desabafa Orwell no prefácio da primeira edição livro.

Os animais expulsaram os humanos da granja e um novo regime foi implantado. Nele todos os animais eram iguais e teriam os mesmos direitos e privilégios. O que não agradou alguns, principalmente a égua Mimosa, super vaidosa. "Ainda vou poder usar laço de fita na crina?", perguntou a Bola de Neve, um dos líderes. "Camarada, essas fitas que você tanto estima são o distintivo da servidão. Não vê que a liberdade vale mais que laços de fita?", ele respondeu, não convencendo muito Mimosa, que adorava os produtos gerados pelo Capitalismo. A medida que o gosto pelo poder foi surgindo, os ideais foram se modificando até que porcos se confundiram com os humanos: "Quatro pernas bom, duas pernas melhor!". Por maior virtude que tenha uma causa, ela não sobrevive se os líderes se deixam deslumbrar pelo poder.

Uma leitura divertida e válida, pois instiga à reflexão. A Revolução dos Bichos é considerada um dos cem melhores romances da literatura inglesa. Para quem já leu ou quiser saber mais sobre a obra antes de lê-la, há o filme A Revolução dos Bichos, versão dublada, 1999, disponibilizado no YouTube.


sábado, 13 de fevereiro de 2016

Frida Kahlo, o Livro



O Pequeno Cervo (ou O Veado Ferido), pintura de 1946. Época da cirurgia na coluna  mais sofrida que Frida passou. A obra mostra uma Frida resignada ao sofrimento. Apunhalada pelas flechas, luta pela sobrevivência, presa no corredor de árvores.
Há algumas semanas terminei de ler a biografia de Frida Kahlo, que inspirou o filme e levou Salma Hayek a concorrer ao Oscar de Melhor Atriz. O livro é o Frida: a Biografia, de Hayden Herrera. Gosto muito de biografias e admiro Frida Kahlo, artista que se destacou e imortalizou seus sentimentos e momentos através de suas pinturas. Apaixonada, e por isso intensa, alcoolista, ativista política (era comunista), dramática, entregava-se sem medo e fazia questão de mostrar como se sentia.
Após a operação na coluna, em 1946.

Era uma mulher forte. O acidente que sofreu com o bonde moeu seu corpo e, talvez por isso, ela se adaptou ao sofrimento. "Frida teve a coluna quebrada em três lugares na região lombar. Quebrou a clavícula, fraturou a terceira e quarta vértebras, teve onze fraturas no pé direito (o atrofiado), que foi esmagado; sofreu luxação no cotovelo esquerdo; a pélvis se quebrou em três lugares. A barra de aço tinha literalmente entrado pelo quadril esquerdo e saído pela vagina, rasgando o lábio esquerdo", assim é descrito o acidente na página 70.



Diego e Frida Kahlo Rivera.
Na sua curta existência, morreu em 1954 aos 47 anos de idade, chorou mais que riu e não somente pelas dores físicas. Viveu para Rivera, por quem nutria uma paixão doentia. Como o álcool, Diego era um vício, daqueles que, mesmo destruindo-a, era desesperadamente necessário. Frida sentia uma necessidade emocional. Seu médico e melhor amigo, Dr. Eloesser, confessou uma vez que as várias cirurgias pelo qual Frida tinha se submetido eram desnecessárias, entretanto era a forma que ela encontrou de manter Diego por perto (página 420). Uma vez Frida indagou Diego sobre por qual motivo ela vivia e ele respondeu: "Pra que eu viva!" (página 459). Do jeito dele, um tanto sádico, Diego amou Frida. "Quando eu amava uma mulher, quanto mais eu a amava, mais queria machucá-la. Frida era apenas a vítima mais óbvia desse meu traço de personalidade", disse ele em sua autobiografia (página 225). Curiosamente, em 1952, Diego descobriu que estava com câncer no pênis. Quase amputaram-lhe o membro e, como era de se esperar, ele preferiu uma terapia alternativa (página 486).

Umas Facadinhas de Nada, 1935.
A obra mais irônica e expressiva de Frida, na minha opinião, é a "Umas Facadinhas de Nada". Frida a pintou no período em que Rivera iniciou um romance com Cristina, irmã mais nova de Frida. Para Rivera, Cristina era uma mulher como qualquer outra com que transou e não via motivos para Frida ficar tão magoada. Ele não se apegava e nem se dava conta do quão cruel as atitudes dele eram. Magoada com o marido e a irmã, Kahlo pintou uma obra trágica (quem penduraria um quadro assim na parede?), inspirou-se na notícia do jornal da cidade, no qual informava que uma mulher foi morta pelo namorado com 20 facadas. O assassino, bêbado, ao ser indagado sobre o acontecimento, disse, sem entender o porquê da polêmica, que eram só umas facadinhas de nada. Frida não morreu em nenhum dos vários finais de relacionamento que teve com Diego, porém a dor que sentia era a de morte, a morte de um amor.

Diego e Frida
Frida com Trotsky.

Contudo, a dependência por Diego não a impediu de viver vários romances apaixonados. Dentre os amantes estava o comunista Trótsky (mulherengo, tentou seduzir também Cristina, irmã de Frida, para terror da pobre Natália, sua esposa) e o fotógrafo Nickolas Muray. Frida teve uma vida curta, porém bem vivida, sofrida, com histórias para contar e interessantes de ler, mas que fez com que ela desejasse não mais voltar.

"Nada permanece, tudo é revolucionário."
                   (Frida Kahlo)